sábado, 1 de agosto de 2009

ARCO-IRIS






ARCO-IRIS

meu sangue é minha pluridentidade
minha pele confusa, minha avó cafuza
meu lugar ao sol, minha africanidade
minha alma: caixa de lápis de cor
pois que sou
o produto do sumo e do sangue de tudo
o que o tempo provou

minha casca branca, gene sem par
é a ponta que oculta os gritos
e as saudades lançadas ao mar
meus porões, meu banzo sem trégua
meus trezentos anos, meu tronco
cativo, minha esperança sem mágoa

sob os trópicos, linha imaginária
somos todos nós, filhos dos mesmos pais
pés que calçam as ruas da história
quebra-cabeça da vida de nossos ancestrais

como entender que exista no Brasil
uma regra para a cor da sua gente?
eu sou branco, eu índio, eu sou mil
eu sou afro-descendente.

Teófilo Leite Beviláqua

*

AMOR PLATÔNICO







o que quero me espanta, me expõe
ao ridículo cego de um desejo
e neste quarto escuro, o que vejo
são meras sensações do que se foi

são ritmos de músicas de outrora
são vinte e quatro horas repetidas
são frases que tão mal distribuídas
se cruzam no pretérito e no agora

conto as estrelas do céu de uma boca
escrevo cartas sem pôr o meu nome
e neste quadro o que tenho em troca

é o indiferente amor que não se assume
e que por ser sagrado me coloca
na frágil condição de todo homem.


Teófilo Leite Beviláqua

ONDE ESTÁ O MEU AMOR?






Enquanto isso, os dias morrem
e a gente morre sem perceber
e sem ao menos ter a resposta
que ensurdeça nossos ouvidos
que ilumine nossos corpos...

Enquanto isso, tudo vai
Minha vida goteja palavras
desnutridas de qualquer sentido
e quando me dou conta
já não encontro as pessoas
que estão vivas em suas realidades
e que já nem lembram que existo

Enquanto isso, ela me escreve
com a falta de minha voz
e eu me acho incapaz
de responder-lhe à altura...

Enquanto isso,
o que foi, já não quer ser
o que fui, já se apagou
Quero desaparecer
Onde está o meu amor?

Teófilo Leite Beviláqua

UMA CRIATURA








Tudo é marasmo na mesma lógica
Tudo é o mesmo na mesma estrada
Tudo transita pro mesmo ponto
e contudo o tudo é o mesmo nada

Quero não ter que ter uma história
feito um alguém que não se importa
Quero gritar por mais meia hora
pra este universo mudar sua rota

Deus, se ainda existe, há de querer
entender meus sentidos sutis
no ar, no céu ou até se eu estiver
diante do medo de mil imbecis

Tudo é avesso, é verso, é imenso
Coisas são coisas no mesmo lugar
Você é tudo aquilo que esqueço
ou finjo esquecer de tanto lembrar

Minha loucura é um vidro quebrado
que refletido nesta solidão
cria ponteiros de um tempo parado
alimentado de contradição

Anjo de gêmeos sem ascendente
intensamente
eu.

Teófilo Leite Beviláqua


*

25 MESES




o canto da chuva expande a noite, e é lindo, lindo demais
ouvir os gritos do céu caírem no chão disperso do mundo
e é quando lembro de você
e é quando lembro que não lembrar
é um esforço desumano de negar
a angústia de um coração despetalado
pela crueza dos dias se debatendo
contra a correnteza de sentimentos
tão involuntários quanto o medo de senti-los
em mim

Teófilo Leite Beviláqua

*

PSICOPATOLÓGICO


*



se eu te vir por acaso descer de algum tempo ou lugar
quero ver teus olhos riscarem, em minha cara
o rascunho de uma interrogação maior que a resposta
à distância e à semelhança de uma estátua dura
que ofereça razões mudas, soltas no ar cinza da rua
onde não se possa alcançar as verdades de todos
os dias em que busquei coragem de enfrentar o eco
da tua voz me dizendo algo parecido com "adeus"

não revelaria teu nome, embora ele esteja entranhado
a cada sopro ocioso dos passos que estreito
sob as luzes melancólicas de um orgulho alimentado
pela força de poder contradizer meu peito
ao deixá-lo pulsar como se ele estivesse parado

antes qualquer desventura que a ternura burra
do amor-burro
do amor-choro
do amor-fone
do amor-“não vivo sem você”
do amor-oco
do amor-“quem ama perdoa”
do amor-2006
do amor-tiço
do amor-talha.

Teófilo Leite Beviláqua

*

DOIS ANOS I


*




caio sob a noite prata
e choro ao ver resplandecer
luzes, sexos, laços, tez
abandonados ao próprio azar
e ao "tanto faz do que se fez"
mendigando um olhar discreto
entre as caras que miram
o alvo que bate inquieto
no meu coração
e nunca o acertam, nunca...

e a lua tímida
sem dar bandeira, acompanha
os passos de quem não vive
as dores de quem não sonha
lindissimamente
vigia a trégua que espero
vir de onde for mais longe
e puro
me buscar pro além de tudo

quem não tem seus instantes
de querer sumir?
é da natureza de quem perdeu
sofrer
gritar
morrer
e
esperar que um dia
a manhã raie
sem lembrar
de
a
l
g
u
é
m

Teófilo Leite Beviláqua

TENHO 100 ANOS.

Acabo de completar cem anos. A manhã de onze de junho de 2085 acaba de raiar sob uma fina camada de sol. Nunca passou por minha cabeça alcançar uma idade de três dígitos. O máximo que supus, otimistamente, foi que em seis décadas chegaria a derradeira hora de admitir a eternidade, quando o sopro do destino abre as janelas que dão para o nada. A vida burlou a tragédia e me pôs aqui, como agora estou, diante de um amontoado de papéis, guardiões dos instantes em que contrariei meus instintos e pus-me a escrever. Prefiro não lê-los.

TEÓFILO LEITE BEVILÁQUA

TEÓFILO LEITE BEVILÁQUA
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