*
Vivo no barco de um sonho impossível
Num provável mar de solidão que atrai
Quando eu morrer, serei só quem se foi
Como qualquer coisa fútil que se vai
Passar a vida inteira querendo se entender
criar definições variadas sobre tudo
É disfarçar a mesquinhez do próprio ser
sem ser em nada profundo
As águas de uma chuva breve
Só encharcam a pele de quem se expõe
Me dou o direito a me sentir leve
A ponto de escrever o vazio que compõe
Páginas cheias de tarde e de escuro
(mágicas comédias puras e sentimentais)
contrárias ao instante que procuro
por serem pequenas mentiras normais
TEÓFILO LEITE BEVILÁQUA
*
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
"TRÊS ANOS"
Não encontro motivo
pra esquecer do que tive
À noite, o que é vivo
convive
entre luzes apagadas
e o silêncio da cidade
Formas desintegradas
saudade
no descaminho bárbaro
do corpo e da alma
sou cigarro sem fósforo
lágrima
a escorrer vagamente
de um gesto pra outro
e ao me ver frente a frente
encontro
minha sombra e o reflexo
exato da sobra de um ser
sem nome, sem dia, sem nexo
sem você
TEÓFILO LEITE BEVILÁQUA
*
sexta-feira, 11 de dezembro de 2009
TODO DIA
*
deixo sentidos e senhas
pra que ninguém veja ou sinta
o que me aborda à noite
e é tão difícil estar desfeito
e ver refeita a espera pelo impossível
com os olhos sobre o telefone...
meu coração se debate e depara
com o instante em que pulsa
como se quisesse gritar algo
pra longe, pra onde o infinito
se iguala à saudade de alguém
todo dia
TEÓFILO LEITE BEVILÁQUA
sexta-feira, 20 de novembro de 2009
MAR SEM ELA
você e o caminho,
e o signo,
e o sábado
você e o desvio,
e o rancor,
e o último
você e o maluco,
e o surto,
e o quarto
você e o cheiro do gosto de sua boca
numa troca faminta de intimidade
me saltam aos olhos, me tocam a carne
e fazem um acordo com a eternidade
a cor dos sentidos dos sóis dos céus
espelha minha cara na sua
e fico constrangido em me ver
dentro da dor que continua
a me mostrar a verdade
que te revolta
e ignora o que poderia ser certo...
confesso que sou o erro, o limite divisor
a mágoa à meia-luz
que sobre as pedras do amor
te quer, te quis...
TEÓFILO LEITE VECILÁQUA
domingo, 18 de outubro de 2009
DELÍRIO TOSCO DE UM TOSCO MARTÍRIO
poderia
ser
um suspiro, uma sombra, uma migalha
tua cara exposta na parede imaginária
dos sonhos que acertam minha noite
poderia
ser
qualquer coisa sem tanta importância
mais dois anos sob a mesma fragrância
do cheiro que embriaga esta vontade
poderia
ser
tudo mentira, tudo, tudo, tudo, tudo
pra acreditar que haveria outro sentido
de acreditar que nada disso foi verdade
poderia
ser
o fim do abismo da mágoa irreversível
num poema escrito, concreto, possível
sobre a página virada da maldade
poderia
ser
o detalhe, a miragem, a Messejana
o domingo, às nove horas, a semana
inteirinha, gota a gota, de saudade
TEÓFILO LEITE BEVILÁQUA
*
ALIÁS, UMA LÁGRIMA.
ó margem das margens, marginaliza-me,
esconde-me do rancor obsoleto de frases
escritas em pedra ôca
dai-me lágrimas, ó margens
lágrimas clandestinas e marginais
porque os homens, entre outras
coisas,
acusam a lágrima de furtar-lhes a natureza masculina,
esse escudo intransferível e baixo...
envergonham-se de expor o brilho
de um instante
com o argumento intolerável de que “homem não chora”
são os mesmos que condenam o
sexo e absorvem a violência doméstica
são os mesmos que investem contra prostitutas desnutridas
são os mesmos que ostentam a bandeira da moral e dos bons costumes
são os mesmos que fazem da guerra o cardápio de suas fomes
são os mesmos que negam a existência d’outras formas de amar
ó lágrimas!
rompam o cordão umbical do medo
afoguem a desgraça das convenções
e tracem em nossos rostos
a estrada que nos faça cruzar a
fronteira
de um mundo feliz.
TEÓFILO LEITE BEVILÁQUA
*
NÃO QUERO DORMIR
Não quero dormir
porque quero que o mundo adormeça por mim
e refaça suas forças dentro desse abismo
que é não ver quando as horas passam
Não quero dormir
porque tenho medo de que mais tarde
não haja nenhum motivo para acordar
e eu acorde, e respire, e não entenda nada
Não quero dormir
porque espero ouvir os gritos ardentes
das estrelas que cruzam os labirintos do céu
em busca de um novo amor
Não quero dormir
porque sou louco, e esta loucura se ampara
nas poucas vezes em que sinto piedade
de mim mesmo por ser exatamente assim
Não quero domir
porque sonhar é o inevitável da vida
e infelizmente é involuntário o filme que assisto
e aquela pessoa quase sempre está lá
Não quero dormir
porque a minha geração anda querendo
enxergar o mundo com os olhos de concreto
impermeáveis à lágrimas
Não quero dormir
porque quero sentir pesar sobre mim o peso
de todas as ilusões do dia
esse dia lento, que é mais um entre todos
Não quero dormir
porque estou me apaixonando e perigo
como sempre repetir os mesmos passos
de um caminho sem volta
Não quero dormir
e eu queria muito alguém pra conversar agora.
TEÓFILO LEITE BEVILÁQUA
*
sábado, 17 de outubro de 2009
32 MENTIRAS
seu sorriso aberto, belo e esquecido
flor amarela, viva, de olhos orientais
no corpo de um poema lido e relido
não passa de uma pétala-de-nunca-mais
seu sorriso inútil, frio e inconseqüente
me ilude ainda, mesmo depois de tanto
tempo, de horas que sem o menor encanto
viram em sua boca a mentira em cada dente
seu sorriso lento esconde um entardecer
e entre seus lábios, prazeres sutis
ontem, ainda acordado, sonhei e você
sussurrava ao vento: “o amor é infeliz”
que fatalidade! que oração sem amém!
o amor é um medo e é de tudo o avesso
correnteza baldia do sorriso de alguém
é trinta e um de julho de dois mil e cinco
é sonhar reouvir: “ainda te amo também!”
TEÓFILO LEITE BEVILÁQUA
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sábado, 1 de agosto de 2009
ARCO-IRIS
ARCO-IRIS
meu sangue é minha pluridentidade
minha pele confusa, minha avó cafuza
meu lugar ao sol, minha africanidade
minha alma: caixa de lápis de cor
pois que sou
o produto do sumo e do sangue de tudo
o que o tempo provou
minha casca branca, gene sem par
é a ponta que oculta os gritos
e as saudades lançadas ao mar
meus porões, meu banzo sem trégua
meus trezentos anos, meu tronco
cativo, minha esperança sem mágoa
sob os trópicos, linha imaginária
somos todos nós, filhos dos mesmos pais
pés que calçam as ruas da história
quebra-cabeça da vida de nossos ancestrais
como entender que exista no Brasil
uma regra para a cor da sua gente?
eu sou branco, eu índio, eu sou mil
eu sou afro-descendente.
Teófilo Leite Beviláqua
*
AMOR PLATÔNICO
o que quero me espanta, me expõe
ao ridículo cego de um desejo
e neste quarto escuro, o que vejo
são meras sensações do que se foi
são ritmos de músicas de outrora
são vinte e quatro horas repetidas
são frases que tão mal distribuídas
se cruzam no pretérito e no agora
conto as estrelas do céu de uma boca
escrevo cartas sem pôr o meu nome
e neste quadro o que tenho em troca
é o indiferente amor que não se assume
e que por ser sagrado me coloca
na frágil condição de todo homem.
Teófilo Leite Beviláqua
ONDE ESTÁ O MEU AMOR?
Enquanto isso, os dias morrem
e a gente morre sem perceber
e sem ao menos ter a resposta
que ensurdeça nossos ouvidos
que ilumine nossos corpos...
Enquanto isso, tudo vai
Minha vida goteja palavras
desnutridas de qualquer sentido
e quando me dou conta
já não encontro as pessoas
que estão vivas em suas realidades
e que já nem lembram que existo
Enquanto isso, ela me escreve
com a falta de minha voz
e eu me acho incapaz
de responder-lhe à altura...
Enquanto isso,
o que foi, já não quer ser
o que fui, já se apagou
Quero desaparecer
Onde está o meu amor?
Teófilo Leite Beviláqua
UMA CRIATURA
Tudo é marasmo na mesma lógica
Tudo é o mesmo na mesma estrada
Tudo transita pro mesmo ponto
e contudo o tudo é o mesmo nada
Quero não ter que ter uma história
feito um alguém que não se importa
Quero gritar por mais meia hora
pra este universo mudar sua rota
Deus, se ainda existe, há de querer
entender meus sentidos sutis
no ar, no céu ou até se eu estiver
diante do medo de mil imbecis
Tudo é avesso, é verso, é imenso
Coisas são coisas no mesmo lugar
Você é tudo aquilo que esqueço
ou finjo esquecer de tanto lembrar
Minha loucura é um vidro quebrado
que refletido nesta solidão
cria ponteiros de um tempo parado
alimentado de contradição
Anjo de gêmeos sem ascendente
intensamente
eu.
Teófilo Leite Beviláqua
*
25 MESES
o canto da chuva expande a noite, e é lindo, lindo demais
ouvir os gritos do céu caírem no chão disperso do mundo
e é quando lembro de você
e é quando lembro que não lembrar
é um esforço desumano de negar
a angústia de um coração despetalado
pela crueza dos dias se debatendo
contra a correnteza de sentimentos
tão involuntários quanto o medo de senti-los
em mim
Teófilo Leite Beviláqua
*
PSICOPATOLÓGICO
*
se eu te vir por acaso descer de algum tempo ou lugar
quero ver teus olhos riscarem, em minha cara
o rascunho de uma interrogação maior que a resposta
à distância e à semelhança de uma estátua dura
que ofereça razões mudas, soltas no ar cinza da rua
onde não se possa alcançar as verdades de todos
os dias em que busquei coragem de enfrentar o eco
da tua voz me dizendo algo parecido com "adeus"
não revelaria teu nome, embora ele esteja entranhado
a cada sopro ocioso dos passos que estreito
sob as luzes melancólicas de um orgulho alimentado
pela força de poder contradizer meu peito
ao deixá-lo pulsar como se ele estivesse parado
antes qualquer desventura que a ternura burra
do amor-burro
do amor-choro
do amor-fone
do amor-“não vivo sem você”
do amor-oco
do amor-“quem ama perdoa”
do amor-2006
do amor-tiço
do amor-talha.
Teófilo Leite Beviláqua
*
DOIS ANOS I
*
caio sob a noite prata
e choro ao ver resplandecer
luzes, sexos, laços, tez
abandonados ao próprio azar
e ao "tanto faz do que se fez"
mendigando um olhar discreto
entre as caras que miram
o alvo que bate inquieto
no meu coração
e nunca o acertam, nunca...
e a lua tímida
sem dar bandeira, acompanha
os passos de quem não vive
as dores de quem não sonha
lindissimamente
vigia a trégua que espero
vir de onde for mais longe
e puro
me buscar pro além de tudo
quem não tem seus instantes
de querer sumir?
é da natureza de quem perdeu
sofrer
gritar
morrer
e
esperar que um dia
a manhã raie
sem lembrar
de
a
l
g
u
é
m
Teófilo Leite Beviláqua
TENHO 100 ANOS.
Acabo de completar cem anos. A manhã de onze de junho de 2085 acaba de raiar sob uma fina camada de sol. Nunca passou por minha cabeça alcançar uma idade de três dígitos. O máximo que supus, otimistamente, foi que em seis décadas chegaria a derradeira hora de admitir a eternidade, quando o sopro do destino abre as janelas que dão para o nada. A vida burlou a tragédia e me pôs aqui, como agora estou, diante de um amontoado de papéis, guardiões dos instantes em que contrariei meus instintos e pus-me a escrever. Prefiro não lê-los.
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TEÓFILO LEITE BEVILÁQUA
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Sejam Felizes!
Eu estou tentando...
Eu estou tentando...